19 de dez. de 2013

NUM JOGO COMERCIAL, UM PRAZER SEM PREÇO


 
Cavalheiros, sejamos francos: havia um quê de desonesto em u Galu disputar um Mundial. Não insinuo, longe de mim, que essa gente ressentida tenha chegado lá com a ajuda de rábulas e tapetões, que são antes o receituário de clubes talvez menos provincianos, mas mais homossexuais. Não aponto à execração pública o apito amigo, que sempre povoou os pesadelos e a mitologia de quem historicamente se compraz em debitar todos os seus fracassos, não a imperfeições suas, mas a maquinações sinistras do Eixo. Não me aventuro a falar de nada disso, porque nada disso houve na epopéia du Galu incolor das Alterosas, do Horto à Casa do Caralho.

A desonestidade, aqui, não é du Galu, senhores, e não têm culpa no cartório nem o Kalil, com seu DNA de perdedor, nem o Cuca, nem o Ronaldinho. Falo antes de uma desonestidade estrutural do negócio do futebol, que permite a um clube como u Galu, sem títulos de expressão nenhuns em seu palmarès, disputar e ganhar uma Libertadores, e com isso participar de um Mundial de Clubes.

Cavalheiros, eu sou do tempo em que um time, para cogitar de ganhar a Libertadores, precisava antes doutrinar, tornar-se absolutamente hegemônico em seu quintal. Haverá exceções a essa regra, claro: vem à mente o caso do grande time do Cruzeiro de 74-77, que, nas finais domésticas que disputou, não pôde dobrar o Vasco ou o Internacional (no primeiro caso, porque foi inequivocamente sacaneado). Será o caso, também, do simpático Argentinos Juniors de 85, o Bicho de Borghi, Batista e Olguín, que até foi campeão argentino no ano anterior, mas num campeonatinho disputado contra o Ferro Carril Oeste, com o país e todos os clubes grandes na pindaíba, depois da guerra das Malvinas. São esses os únicos casos que me ocorrem, quando a Libertadores era a Libertadores.

Passou o tempo, e os interesses comerciais aos poucos foram assenhoreando-se do futebol e da Libertadores. E exigiram, primeiro, a presença dos clubes mexicanos — irrelevantes mas lucrativos para a Televisa —, cada um com onze Pacos de Mierda a maltratar a pelota. (E aqui abro parênteses para denunciar que qualquer time brasileiro que seja eliminado por mexicanos é necessariamente um elenco contaminado por filhos da puta. Mormente aqueles em posições de comando, como o treinador e o capitão. Sobretudo o treinador que aparecer bêbado no dia do jogo, ou o capitão que decidir não jogar para protestar pela inadequação dos prêmios pela conquista de campeonatinhos estaduais. Exemplifico com uma situação meramente hipotética, claro.) Depois, por conluio da Rede Globo, da referida Televisa e da fenecida TyC, decidiu-se escancarar as portas, ou as janelas, para o ingresso de mais e mais times de grande torcida do Brasil, da Argentina e do México, o que exigiu classificar o terceiro, o quarto, o quinto de cada liga nacional.

É nesse contexto, senhores, que de repente começam a dar-se situações insólitas como um São Caetano disputar, e graças a Deus perder, uma final em 2002; um Once Caldas, absolutamente desconhecido do público futeboleiro, conquistar a Copa por pênaltis em cima do Boca Juniors; um Internacional, sem conquistas domésticas relevantes desde o ano da Graça de 1979, um belo dia amanhecer campeão da Libertadores, para espanto e estarrecimento dos desavisados; uma LDU, que, sendo sigla, deveria disputar o campeonato das Alagoas, apresentar-se ao mundo sodomizando o Fluminense, também ele classificado depois de ganhar uma Copinha do Brasil diminuída pela ausência de quatro ou cinco dos melhores times do país.

É forçoso reconhecer, senhores, que vai uma distância de anos-luz, em mérito e em mística, entre uma LDU, Once Caldas ou Galu e o Santos do Pelé, Coutinho e Pepe; o Peñarol de Pedro Virgilio Rocha, Spencer e Mazurckiewicz; o Independiente de Bochini, Bertoni e Trossero; o Flamengo de Zico, Leandro e Júnior; o São Paulo de Raí, Müller e Cafu.

Lo que decís es tan cierto que no sirve para nada, poderá concluir o leitor, citando Mafalda e mudando de assunto. Pode ser. Denunciar o aviltamento, por interesses materiais, de um esporte que um dia foi grande não nos leva a lugar nenhum, diante do poder que continuarão a exercer o Santander, a Bridgestone, a Televisa ou a Rede Globo (que a cada dia nos impinge o futebol nos horários mais extravagantes, para que os anunciantes de carros e geladeiras mantenham nossas mulheres entretidas o quanto puderem, indagando-se sobre quem anda a arrebentar os entrefolhos do Félix ou da Valdirene).

Tudo isso é verdade, e de fato não serve para nada. Mas não deixa de ser engraçado pra caralho quando o beneficiário de toda essa papagaiada, um clube desprezado pelos rivais por nunca ter ganhado porra nenhuma, passa o ano inteiro iludindo sua torcida com uma grandeza fugaz — e de repente se choca contra a realidade brutal ao ser atropelado por um time que, como ele, só entrou no enredo por causa de interesses comerciais.

Diante de tudo isso, diante de um futebol que se tornou um produto descartável e fez da Copa Libertadores uma gloríola com prazo de validade exíguo (seis meses, se tanto), há algo a ser resgatado nessa triste comédia? Talvez haja: a renovação do prazer ancestral de ver o pavoroso Galu das Alterosas se foder de preto e branco com a estrelinha cravada no olho-do-cu. Isso, senhores, não tem preço.

11 de mai. de 2013

REGOZIJAI-VOS: A DESGRAÇA DOS LARÁPIOS

Eu sou um escroto. O dia mais feliz da minha vida foi o 1° de dezembro de 1998. Naquele dia eu comemorei de forma tão extravagante o gol do Raúl que o casal do prédio da frente, que também comemorava com uma bandeira do Flamengo, parou de celebrar para me interpelar: ― Calma, garoto! Você vai morrer do coração! Um ano depois, em janeiro de 2000, quando o Edmundo perdeu aquele pênalti, tive um ataque de riso de uma hora. Um amigo rubro-negro me telefonou e eu não respondia, só gargalhava. Quando o Fluminense foi rebaixado, eu ia à janela nos horários mais insuspeitos ― no meio da tarde de uma terça-feira, às duas da manhã de sábado ― e gritava “segundona”, e minha voz tonitroava pelos prédios da vizinhança, matando de raiva os tricolores que não esperavam uma ofensa assim num horário daqueles. Isso durou um ano, e depois continuei gritando “terceira divisão”, mesmo quando o Fluminense não jogava. Sobretudo quando o Fluminense não jogava.

Meu júbilo com o Fluminense pastando na terceira divisão era pela maldição realizada. Quando o Fluminense foi campeão carioca em 1995, a torcida do Flamengo, coletivamente, concentrou todas as suas energias mentais em desejar a desgraça do adversário. Se 40 milhões de indivíduos se obstinam em desejar-lhe o pior, basta um ano e meio para o seu time cair do título carioca para a segunda divisão, e quatro anos para a rainbow jersey ser avistada em onze perebas num campinho do Corpo de Bombeiros candango.

Essas reminiscências me vêm à mente por causa do outro tricolor esquisitão, o São Paulo Futebol Clube. Esta semana, as meninas do Morumbiba vivem o seu maior inferno astral desde que a empregada os flagrou provando o sutiã da irmã mais velha. Completaram seis anos sem bater o maior rival em casa e ainda foram despachados da Libertadores, com goleada e olé, por ninguém menos do que u Galu, um time que só figura na história do futebol brasileiro como sparring do Flamengo.

Longe de mim ficar feliz com vitória do Curíntia. Como em janeiro de 2000, o que conta aqui não é a vitória dessa malta vil, mas a derrota do adversário. Façamos as contas, senhores: seis anos sem vencer o maior clássico em casa significa que a última vitória foi em 2007 ― o ano em que, cuspindo em cima (logo eles, que engolem) da palavra empenhada, a São Paulo passou a reivindicar a condição fraudulenta de penta único. Pediram, e levaram na mão grande, a nossa Taça de Bolinhas, para depois ter de entregá-la debaixo de vara a um oficial de justiça, como larápios que são.

Diante desse quadro, não há como não nos regozijarmos com a desgraça do mais desonesto, o mais traiçoeiro dos inimigos. Por odioso que fosse, um Eurico Miranda a vomitar rancor contra o Flamengo era muito mais digno, tinha muito mais hombridade do que essa corja, porque suas intenções sempre estiveram patentes para todos. Por revoltante que seja, um Curíntia que se torna indistinto do partido político que o apadrinha para ganhar estádio, patrocínio público e arbitragem amiga chega a ser menos reprovável do que essa canalha, porque faz o que faz às escâncaras, nas barbas de uma nação perplexa.

O que acontece com a São Paulo, amigos, é nada mais, nada menos do que o que aconteceu com o Fluminense. É a praga que se cumpre, a maldição que se realiza, é a concretização dos desejos de 40 milhões de rubro-negros que eles pretenderam sacanear a partir de 2007, passando por cima da honra, da palavra empenhada, da própria história do clube que, em parceria com o Flamengo, mostrou aos demais o caminho da grandeza, em 1987.

2 de mai. de 2013

IDENTIDADE E PÉLA-SAQUISMO

O Brasil vive tempos débeis-mentais, e o sujeito que duvide da justeza desta constatação só precisava prestar atenção à histeriazinha que se gerou em torno do jogo entre Barcelona e Bayern de Munique, na última quarta-feira. Por todo o lado, garotos brasileiros tomavam partido de um e de outro, davam gritinhos aviadados por um ou por outro, discutiam nos foros virtuais em defesa de um ou de outro, como se de dois times brasileiros se tratasse. Dir-se-á que gostam de futebol, e que o amante do jogo tinha diante de si os dois melhores times do mundo. Precisamente: o ser humano normal não aprecia, padece o futebol, tolera os noventa minutos do jogo porque ali, com as cores que herdou de seu pai e de seu avô, se disputa algo que vai muito além do mérito esportivo. Fosse pela beleza do jogo, qualquer de nós abriria mão de bom grado de assistir a marmanjos dando botinadas e acompanhava, com muito melhor proveito, o vôlei feminino (sobretudo quando joga a Itália).

A todo o mundo que me venha falar de Messi, Ibrahimovic ou Schweinsteiger, minha resposta sempre foi a mesma: eu não gosto de futebol, meu negócio é Flamengo. Quando muito, padeço jogos alheios apenas para torcer pela desgraça do Vasco, do Fluminense, du Galu e, sobretudo, de  qualquer time paulista que entrar em campo em qualquer lugar do planeta. Mas também aí não me afasto um milímetro de minha essência: para o rubro-negro, torcer contra essa corja também é questão de identidade.

Falo em identidade e chego ao âmago da questão: eu respeito o torcedor do Barcelona que sente arrepios à menção de Kubala ou Rexach, ou que enxerga na camisa blaugrana alguma essência profunda da catalanidade e canta o tots al camp ainda hoje como quem brande a língua pátria como um escudo. Também assim o torcedor do Boca que passa oitenta minutos cantando murgas melancólicas, porque o ritmo, que sobreviveu na Bombonera enquanto definhava nas ruas, é parte de uma certa identidade da zona sul de Buenos Aires, que encontra no Boca a sua melhor expressão. Em contrapartida, há uma década que tenho ímpetos homicidas sempre que ouço a torcida do Grêmio macaqueando não só as murgas, que jamais lhe falarão à alma, mas também o sotaque estrangeiro sem o qual se atropelaria a métrica. E há quatro, cinco anos que tenho vontade de pagar o esporro devido a cada pai de criança que circula por aí com camisetinhas do Barcelona ou do Real Madrid (excetuado, neste último caso, se tiver nas costas o número 7 e o nome Raúl).

E o Flamengo com isso, estará perguntando-se o leitor. Muito simples: nosso clube e nossa torcida também não são imunes a uma época débil-mental. A quem duvida, sugiro procurar a meia dúzia de casos clínicos que, ultimamente, faz de conta que é barra-brava com bombos e pratos na Superior Leste do Engenhão, abafando os gritos legítimos da torcida e torrando os bagos de todo o mundo ao redor. Fora desses casos extremos, reparem nas letras das musiquinhas que se passaram a cantar, de 2007 para cá, com declarações de amor e manifestações de sentimento que são a antítese do modo carioca de torcer (o Júnior, recordem, confessa que ficava arrepiado mesmo quando a torcida cantava, com toda a simplicidade, que eu gosto de você, e com essa declaração estava dito tudo). Não há, senhores, felicidade possível na língua dos outros, e na nossa língua nós sempre comemoramos em samba.

Fiz esse desabafo para chegar ao inacreditável press release da comunicação do clube, datada da última terça-feira. Na nota está tudo errado, da forma à substância. Na substância, avisam ao público incréu que o Flamengo montou um time de futebol americano (!), em parceria com um tal Imperadores (?). Na forma, explicam que os referidos Imperadores, ao fechar com o Flamengo, encerraram a parceria “com outro clube de soccer do Rio de Janeiro” (!!).

Dois comentários me ocorrem, sobre a notícia e a nota infelizes. Em primeiro lugar, e nisso creio contar com o apoio de todos os leitores, soccer de cu é rola. Em segundo lugar, e por aqui me despeço, observo que há limites, ou tem de havê-los, nesse esforço bem vindo de colocar o verdadeiro inimigo ― o abominável Curíntia Paulista ― em seu devido lugar. À custa de suplantar o Curíntia, não se pode querer emulá-lo em tudo, sob o risco de comprometermos a nossa identidade. Já não digo assistir, mas jogar futebol americano, no Brasil, é de uma babaquice tamanha que só se concebe no paulista, e nenhuma instituição desportiva, por seu código genético, está tão bem equipada para expressar essa babaquice quanto o Curíntia Paulista.  O Flamengo tem, sim, de continuar trabalhando no sapatinho para botar a casa em ordem, voltar a ser hegemônico e pôr fim definitivamente a quantas polêmicas absurdas a imprensa do Arraial inventar sobre o tamanho das duas torcidas. Mas só será plenamente exitoso se for fiel a si próprio, se estiver consciente de que o Flamengo é uma bandeira na qual se enxergam e se identificam todos os brasileiros orgulhosos de ser o que são e absolutamente intolerantes com o péla-saquismo.

26 de abr. de 2013

A FELICIDADE E ALGO MAIS

Nos momentos mais negros do patricismo, quando parecia que a ex-vereadora, secundada pelo pessoal da bocha, da pelota basca e das organizadas, andava a passos largos para encher o nosso saco por mais três anos, eu achava que a suma felicidade estava no poder odiar os perebas do meu time. Percebam: eu não pedia para ganhar tudo, passar o rodo e ainda limpar na cortina. Eu queria, pura e simplesmente, poder cagar baldes para quem era o presidente ou o vice-presidente-adjunto de parquinhos e recreação e passar os meus domingos praguejando apenas contra o corno do beque-central que não sobe numa porra duma bola alçada, ou contra o cretino do ponta-de-lança que, quando a chapa esquenta, se esconde na área e depois reclama que a bola não chega. Entre janeiro de 2010 e dezembro de 2012, essa era a minha idéia de felicidade.

Veio 2013 e a Srª. Patricia Amorim, graças a Deus, está desempregada e, faço votos, em busca do primeiro trabalho sério de sua existência terrena (não assim seu marido, que segundo consta já arrumou uma boquinha na ínclita SUDERJ). Veio o carioquinha e eu de repente me vi a praguejar contra o inútil Ibson (o único bípede a estar em campo nas duas maiores humilhações da história flamenga, contra o Santo André e contra o Ameriquinha do México), o sonolento Léo Moura e quantos mini-postes os nossos treineiros inventem para a lateral-esquerda. Então me lembrei de que a felicidade era um pouco mais que isso.

Cavalheiros, eu não espero deste Flamengo modelo 2013 muito mais do que uma participação decorosa nas competições que interessam (digo isso e imediatamente me recordo de que já escrevi isso antes, no imediato pós-Edmundo, e esse é o tamanho do estrago que deixou a ex-vereadora). Nunca fui de nutrir ilusões quanto aos nossos cartolas, mas hoje vejo os azuis trabalharem e sinto que ali temos gente que sabe aonde quer chegar, e não é na politiquinha fluminense. Só que, para esse projeto frutificar, o Flamengo, em campo, não pode expor-se a vexames de joelsantânica grandeza, como fez no carioquinha. Reincidir nisso será dar argumentos à malta recém apeada de todas as instâncias de poder do clube, e que não vê a hora de começar a tumultuar as coisas.

Temos aqui gente muito mais habilitada do que eu para fazer juízos técnicos, mas eu me aventuro a dizer que, com um par de contratações pontuais, o Flamengo tem material humano bastante para cumprir esse objetivo modesto, enquanto os cartolas tratam de pôr a casa em ordem. Do pouco que se viu de resgatável neste primeiro quadrimestre, os garotos Gabriel, Rafinha e Rodolfo mostraram alguns lampejos que justificam a esperança do torcedor de vê-los amadurecer e arrebentar com o Manto. Mesclados com a experiência e malandragem dum Renato e com o espírito de luta dum Hernane, hão de crescer a olhos vistos, São Judas Tadeu esteja, nesta mesma temporada que se inicia.

Para isso, claro, devem contar com o apoio da torcida, que andou desconfiada e ausente ao longo dessa excrescência cada vez mais injustificada que é o carioquinha. O preço dos ingressos ajuda a explicar isso, e uma coisa devia ficar clara aos nossos ilustrados cartolas: para que os senhores tenham tranqüilidade de construir no médio prazo em cima do que outros destruíram, temos de passar o 2013 incólumes. A torcida precisa abraçar esse time, com suas virtudes e limitações. É dar a ela condições de apoiar, que ela virá. Afinal de contas, este Flamengo, imperfeito como está, com um milhão de defeitos, voltou a ser o NOSSO Flamengo. Não é nada, não é nada, é a base de qualquer projeto de felicidade que se preze.

3 de dez. de 2012

SÓ ENTENDE QUEM É FLAMENGO

Terminada a apuração da primeira urna, e confirmada a derrota acachapante da srª. Patricia Amorim, Eduardo Bandeira de Mello, como convém ao Presidente da Nação, aceitou civilizadamente os cumprimentos da perdedora. Era a coisa certa, o gesto apropriado, naquela hora.

Não se esperasse, claro, da srª. Amorim, a coisa certa e o gesto apropriado por muito tempo. Ao deixar a Gávea, escoltada pelos jagunços que em três anos foram seu melhor escudo contra a crítica democrática, Patricia Amorim desandou a vomitar bobagens. Em vez de reconhecer erros e fazer votos de que, quiçá, daqui a dez anos sócios e torcida percebessem a importância de seu legado, a agora (Deus e São Judas Tadeu sejam louvados) futura ex-presidenta bostejou bobagens sobre “um monte de homens se reunir para derrotar uma mulher”. Uma coisa reconheçamos: com todos os defeitos que tem, Patricia Amorim tem a grande virtude da previsibilidade: quando acuada e derrotada, imediatamente se lembra de sua condição de mulher e choraminga contra um mundo injusto gerido pelos que têm pau. A acreditar nessa chorumela, a derrota dela própria nas eleições para vereador há de ter sido um complô de maridos ruins que determinaram a suas esposas em quem não votar.

Não é hora de enumerar os incontáveis defeitos de Patricia Amorim. O eleitor rubro-negro já os sopesou e referendou o nome aclamado pela torcida, em votação humilhante para qualquer presidente em exercício. Mas, se hoje passo ao largo do amadorismo e da complacência com o fracasso, da gestão temerária, da arregimentação de torcedores profissionais como camisas pardas e do desrespeito com a história do clube e seus ídolos, há um defeito que não quero nem posso deixar passar. In a nutshell, Patricia Amorim foi a pior presidente da história do Flamengo em 117 anos porque nunca antes, como em sua gestão, se tentou opor o torcedor ao associado como adversários e talvez inimigos. Nunca antes, em 117 anos, se pretendeu opor o parquinho ao futebol, o estacionamento à sala de troféus, o Cesar Cielo ao Zico. Que Patricia tenha sido derrotada por imensa mobilização da torcida, com votação maciça de sócios off-Rio – os que não freqüentam o parquinho –, há de ser um desfecho educativo para todos os prefeitinhos e eleitores de prefeitinhos.

O Flamengo, cavalheiros, é muito mais que duas piscinas, quadras de tênis, estacionamento, sauna e parquinho. É muito mais que os 2 mil e poucos sujeitos que saíram de casa (alguns de longe pra caralho) para dizer não a Patricia. O Flamengo são os milhões que ficaram ao pé do rádio aguardando o desfecho das eleições e torcendo contra Patricia Amorim. Quem não entendeu isso não apenas está errado. Quem não entendeu isso não é Flamengo.

O gesto de Eduardo Bandeira de Mello, como eu disse no início, se justifica pela magnanimidade que é preciso mostrar na vitória. Passado esse momento, no entanto, é preciso não cometer o mesmo erro de 2002. É preciso não nos conformar com a derrota, ou a destituição, de um presidente nefasto. É preciso derrotar também, e reduzir à irrelevância, os que deram sustento a essa forma antiflamenga de se fazer política na Gávea.

Que o primeiro passo venha no dia 13 de dezembro, data magna do calendário rubro-negro, quando se elege o Presidente do Conselho Deliberativo. A Chapa Azul não pode desmobilizar-se. E não pode se esquecer de que há, entre os candidatos, gente que não é Flamengo.

5 de dez. de 2011

REFLEXÕES DE FIM DE TEMPORADA


Cavalheiros: atendendo a pedido, permito-me incomodá-los com três ou quatro reflexões de final de temporada:

(1) Ao contrário do que diz dona Patrícia, 2011 foi um ano ruim, porque o seu Flamengo abdicou de sua obrigação natural de vencer. Ganhou o carioquinha, é certo, mas o carioquinha não vale nada desde o dia 28 de maio de 2001, quando cumprimos a obrigação histórica de colocar o Vasco, de uma vez por todas, em seu devido lugar de coadjuvante.

Como o carioquinha há muito não é parâmetro para nada, feitas todas as contas, é negativo o saldo de Luxemburgo em sua terceira passagem malograda pelo clube (ou quarta, se considerarmos o período em que foi um lateral-esquerdo sofrível). Salvou-se aos peidos do rebaixamento em 2010 -- muito mais pelos resultados alheios do que pelos próprios --, mas em 2011 conseguiu a proeza de ser eliminado da Copa do Brasil por um time que termina o ano rebaixado com justiça, mais o grande feito de perder o Brasileiro mais fácil de todos os tempos. Aos que discordarão de minha última afirmação, repetindo as bobagens que escutam dos palpiteiros da Globo, lanço o seguinte desafio: quem aqui se lembrará de um jogador ou de uma jogada desse Curíntia medíocre daqui a dez anos?

(2) Porque o Flamenguinho de Patrícia e Luxemburgo não cumpriu sua missão doutrinadora, chegamos ao fim do ano forçados a escolher entre o pior de dois males, e não estou certo de que tenhamos feito a escolha certa. Recapitulo: fizemos a escolha certa porque não há de chegar o dia em que vagabundo vestido de Vasco, ou de qualquer outro trapo imundo, levantará um troféu nacional minutos depois de ganhar do Flamengo. E fizemos a escolha certa porque dela dependia estar na Libertadores, e aí contribuir mais uma vez para frustrar os planos da canalha incolor sem passaporte (lembrai-vos do Pacaembazo de 5 de maio de 2010). Mas testemunhar a alegria de pústulas do quilate de um Andrés Sánchez, um Ronaldo (com 130 quilos de gostos reprováveis), um “craque” Neto, para mim é quase tão ruim quanto ver a felicidade desses otários cujo sofrimento não pode parar.

(3) Dizer o quê desses otários? Houve tempo em que rangiam os dentes, esperneavam e se desfaziam em singulares ataques de pelanca a cada vice conquistado. Ontem bateram palminhas. Foram vice-campeões, terminaram na posição mais aviltante entre a segunda e a 16ª, e gritaram “é campeão”. Se dermos corda, acabam bordando mais uma estrelinha em sua camisa sem cores nem glórias.

(4) Luxemburgo passou o ano inteiro repetindo o discurso medíocre de que “a prioridade é a Libertadores”. O mínimo que se pode esperar dele, agora, é que aja de modo conseqüente. Que não me venha escalar titulares para as peladas sonolentas do carioquinha, sobretudo se forem às vésperas de compromissos pela Libertadores (como, aliás, fazia o perdedor Joel Santana, aquele do América do México). Podia era começar a temporada mandando os titulares todos aclimatarem-se no topo dos Andes, uns quinze dias antes do jogo contra o Potosí. Que deixe os juvenis jogarem contra Bacaxá, Entrerriense, Goytacaz ou Botafogo.

(5) Ia parar por aqui, mas não resisto. E u Galu? Que dizer du Galu? Os galináceos lá soltam plumas e falam em marmelada, como se alguém pudesse ser tão escancarado ao arquitetar uma armação em conluio com o maior rival. O que efetivamente aconteceu parece ter sido muito mais simples: a “massa” atleticana tratou como decisão o jogo em que podiam rebaixar o Cruzeiro. Aí não tem remédio: sendo decisão, u Galu indefectivelmente se fode de preto e branco.

21 de fev. de 2011

1987 NOS VOSSOS CORNOS


Por Deus, olhai a foto que ilustra este artigo. Ali está Leandro, o Peixe Frito, o maior lateral direito que o Brasil já viu, com o joelho em frangalhos mas, ainda assim, um paredão inexpugnável em nossa zaga. O Leandro que deixou sangue em campo no Mineirão, na semifinal, quando, confirmada a escrita, a freguesia das Alterosas entrou em desespero. A seu lado, novinho, Zé Carlos, Deus o tenha, o Zé Grandão que foi o primeiro substituto digno de Raul Plassmann nos meus times de botão e no meu coração. Está lá Andrade, prestes a desfilar sua classe gigantesca pelo gramado do Maraca. Prestes a fazer a maior exibição de sua carreira e ofuscar Zico, Renato, Bebeto. Prestes a coroar uma jogada coletiva de antologia com o passe magistral para Bebeto. Está lá Edinho, velho rival agora com as cores certas, as únicas cores certas, formando com Leandro uma daquelas zagas que deviam ser proibidas porque é sacanagem com o adversário. Está lá o Leonardo, menino ainda, 17 anos, o Léo que ainda era o Ratinho para os seus colegas do Instituto Abel de Niterói, que olhávamos para ele como quem olha assim para um semideus (“quantas mulheres é possível comer, jogando no Flamengo, aos 17 anos?”). Está lá Jorginho, atleta de Cristo dos de verdade, homem de bem, lateral fino e vigoroso, uma das cinco contribuições desse Flamengo para a seleção que finalmente traria de volta o caneco, em 1994.

Agachado está Bebeto, que um belo dia desistiu de ser o sucessor do Galinho em nossos corações, mas que a essa altura era idolatrado com justiça pela maior torcida da Terra. O Bebeto que um dia formaria, ao lado de Romário, a maior dupla de ataque da história do futebol. A seu lado está Renato Gaúcho, que rodou o Brasil inteiro mas nunca — nem no Grêmio, contra o Hamburgo — experimentou coisa comparável a ser o maior jogador do Brasil envergando o Manto Sagrado. O Renato que esse ano saldou contas pendentes com o inimigo Telê Santana e confirmou, pelos séculos dos séculos, a ancestral freguesia do odioso Galo mineiro diante do Flamengo. Ao lado dele Aílton, raçudo, voluntarioso, que um dia entrou para a história, jogando pelo Grêmio, definindo uma das finais mais emocionantes de todos os tempos. O Aílton que, reparai, foi o único desses onze a não ter vestido a camisa da seleção. Depois está Ele, Sua Majestade Arthur Antunes Coimbra, que em noventa minutos erguerá seu último troféu pelo Flamengo, e em dois anos deixará os gramados e nos fará órfãos para sempre. A seu lado, ainda mirrado, ainda moleque, Crizam César de Oliveira, Crizanzinho, Zinho. Os críticos um dia o chamarão de enceradeira, mas eram esse domínio e esse toque de bola refinados que permitiam àquele Flamengo ir cozinhando qualquer adversário do mundo até que, atordoado, não pudesse reagir quando finalmente déssemos o bote.

Olhai a foto e lembrai que, por 23 anos, dois meses e oito dias, os canalhas e os recalcados negaram que esse time tenha sido tetracampeão do Brasil. Olhai e lembrai de todos os filhos da puta que, ao longo de um quarto de século, vos falavam em sports e asteriscos, ainda que fossem incapazes de lembrar o nome de um, apenas um jogador do irrelevante Sport Club Recife. Ainda que não tenham visto, porque ninguém viu, o Sport derrotar o Guarani no mais completo anonimato, longe dos olhos e dos corações dos brasileiros.

Olhai e lembrai do mais reprovável entre todos os adversários, o São Paulo Futebol Clube, ostentando por aí a fama imerecida de Penta Único, depois de Hexa Único. Lembrai do São Paulo que esqueceu que um dia foi presidido por homens em vez de canalhas, que ignorou a palavra empenhada há um quarto de século, que não hesitou em bater a carteira do parceiro que, em 1987, junto com ele arriscou tudo para dar aos grandes clubes do Brasil o que era deles por direito.

Olhai e lembrai dos biltres de todas as cores e procedências, de Muzambinho ao Recife, ignorando todas as obviedades e perpetuando a mentira risível de que um time que ninguém viu era o legítimo campeão do Brasil de 1987. Olhai e lembrai dos que negavam ao Flamengo a glória conquistada em campo, naquele 13 de dezembro chuvoso, mas que, desatentos, repetiam sem pensar que esse Andrade e esse Zinho foram os maiores campeões do Brasil, porque conquistaram o Brasileiro em cinco oportunidades (o que forçosamente inclui 1987).

Olhai e lembrai de Leão, freguês eterno, bostejando sandices sobre o Flamengo ter amarelado para os onze perebas inapeláveis que ele dirigia em 1987. Olhai e lembrai de Milton Neves, do pulha Milton Neves, alienando a maior torcida da Terra para fazer graça com duas kombis de pernambucanos. Olhai e lembrai do mau caráter Juvenal Juvêncio, agora condenado a perder o único brinquedo capaz de satisfazê-lo na velhice decrépita. Lembrai do irrelevante Homero Lacerda e de suas ameaças tresloucadas de processar a Deus e o mundo por proclamarem o óbvio, em 6 de dezembro de 2009. Lembrai dos outdoors rastejantes de pernambucanos subservientes, que em 2007 viam na glória do São Paulo o único caminho para que o Brasil se lembrasse da gloríola do Sport, em 1987.

Olhai para a foto, irmãos, lembrai de toda essa gente, e de quantos mais vos torraram os bagos em 23 anos, dois meses e oito dias. Lembrai agora que sois hexa desta porra, que aqui não há nem haverá nunca clube maior do que o nosso. Olhai de cima as legiões de recalcados, arquejantes de ódio e de inveja, enchei os pulmões e repeti comigo, para Deus e o mundo ouvirem:

VASCO, BOTAFOGO
AMÉRICA, BANGU
QUEM NÃO FOR FLAMENGO
VÁ TOMAR NO CU.

3 de fev. de 2011

RONALDO NÃO!

Depois do 2010 horroroso que tivemos, todo rubro-negro -- até os que, como eu, têm enormes prevenções à Patrícia Amorim -- anda esperançoso com este princípio de ano muito melhor que a encomenda. Mas eis que, quando tudo ameaça dar certo, algum gênio plantou a idéia de jerico na cabecinha da presidente: e se trouxéssemos também o Ronaldo gordo, aquele dos travestis? Era ou não era um grande golpe de marketing?

Isso a acreditar na fofoca que nos conta um tal Cosme Rímoli, que eu não sei que crédito merece, mas bate com rumores que há algumas semanas lemos na imprensa.

Não há muito o que dizer a respeito: Ronaldo é hoje motivo de chacota entre todos os torcedores brasileiros. Há muito que não joga nada e, não se tratasse de figurinha tão desprezível, sua forma de barril hoje despertaria a mesma pena que o Garrincha despertou no final da vida. Talvez até mais, que os desvios de conduta do Mané se limitaram ao alcoolismo. De resto, o Mané cansou de bater no Flamengo, mas, quando teve a ocasião de jogar pelo clube do coração, abraçou-a e não a deixou escapar. Não jogou nada, mas ao menos devolveu o carinho da torcida que o amava e admirava apesar de ele nos ter feito sofrer tanto, com a camisa do Botafogo.

Bem diferente desse gordo escroto, que, no momento mais vergonhoso de sua vida, quando desceu mais baixo do que qualquer jogador jamais desceu, só teve o apoio da torcida do Flamengo, contra o escárnio unânime de toda a torcida brasileira. E nos pagou como pagou, negociando em nossas costas com nosso maior inimigo, com o clube que vive com uma única obsessão (além de um dia, quem sabe, ganhar a Libertadores): a de desbancar o Flamengo do posto de Mais Querido do Brasil.

Até aqui falou o torcedor passional, o que teve orgasmos com a coletiva chorosa do gordo traíra depois de ele ser brutalmente sodomizado (e, uma vez na vida, não gostar) pelo Flamengo de Vágner Love. Falou o rubro-negro que chegou ao cúmulo de torcer pelo Fluminense no Brasileiro passado, só para negar a esse sujeitinho sem caráter o gostinho de ser campeão brasileiro. Acredito que haja alguns milhões de rubro-negros como eu, prontos a receber Ronaldo com cinco pedras em cada mão.

Mas a recomendação que faço é também como torcedor racional: Patrícia Amorim, cuidado com o marketing. Depois do 2010 horroroso, a senhora está acertando, para a agradável surpresa de muitos (eu inclusive). Não vá pôr tudo a perder por confundir as prioridades. Marketing é muito bom e bonito como meio para um fim. Ganhar R$ 900 mil de patrocínio por um único jogo é excelente se for para tornar o Flamengo mais forte e vencedor.

Nós tivemos, num passado não tão distante assim, um Presidente que começou com uma senhora jogada de marketing, ainda mais impressionante que trazer o Ronaldinho: trouxe o Romário, em plena forma, maior jogador do mundo. Gostou tanto do efeito que, por quatro anos, só fez golpes de marketing, e o Flamengo andou de vexame em vexame. Converse com o Luxemburgo. Ele estava lá. Ele viu tudo. Ele viu como um projeto promissor acabou transformando o Flamengo em chacota nacional.

Patrícia Amorim, a senhora está acertando. Não vá desviar-se desse caminho agora, contratando um ex-centroavante que não só não agrega nada, tecnicamente, como é desprezado pela torcida.

Quero crer que a fofoca do Cosme Rímoli é só isso: fofoca. Mas, se for verdade, fico aqui com a dúvida: por que dar ao desprezível Ronaldo a saída honrosa que a senhora se recusa a dar ao herói rubro-negro Petkovic?

6 de mai. de 2010

05.05.2010. PACAEMBAZO.



Eu queria estar em São Paulo. Basta essa confissão bizarra para que os senhores tenham uma idéia do meu estado de ânimo desde que, ontem, em terra estrangeira, na casa do inimigo e com tudo contra, o gigantesco, o cósmico, o imortal Clube de Regatas do Flamengo jogou o maior segundo tempo de seus 115 anos de existência e mandou todas as pretensões e todo o amor-próprio corintianos aí para onde residem os projetos megalômanos de quem nunca teve intimidade com a grandeza.

Desculpem a grandiloqüência. Nelson Rodrigues, Deus o tenha, diria que é hora de escrever mal, de ter o mau gosto de um orador de gafieira, de falar em bandeiras drapejando e o caralho a quatro. Não diria “o caralho a quatro”, acho, mas vocês entendem.

Dir-se-á que exagero e que o Flamengo do Zico terá jogado melhores segundos tempos do que este em que Bruno, Leo Moura, David, Angelim, Juan, Maldonado, Rômulo, Willians, Kléberson, Adriano e Vagner Love (e Toró, e Fierro, e cada um de nós) precisaram de escassos cinco minutos para calar a histérica torcida corintiana, e outros 40 de puro sadismo para esticar-lhe o desespero até quase o ponto de ruptura. Podíamos ter feito três, quatro, cinco. Não fizemos: não teria a mesma graça. Não teria a mesma graça matar o jogo aos 20 do segundo tempo e ver a canalha incolor voltar para casa com as insossas bandeirinhas alvinegras enroladas, para quem sabe fazer delas melhor uso, ou invadir o campo e assumir o comportamento delinqüente que nos acostumamos a esperar dela. Bom mesmo era deixá-la acalentar ilusões até o finzinho -- ilusões de ser time grande, de estar à altura da Libertadores, de estar à altura da eternidade --, e até o finzinho mostrarmos em campo, com técnica e valentia superiores, quem é o fodão deste imenso Bairro Peixoto a que chamam Brasil.

Amigos, estou divagando e me desculpo. Junto com a paixão, o entusiasmo e a alegria de ser rubro-negro, tenho também uma imensa ressaca do Jack Daniel’s que tomei para anestesiar minha garganta cansada (cansada de mandar paulista se foder). Hoje não hei de conseguir ligar duas idéias sem parecer idiota. Paciência. Só queria dizer uma coisa: não sei se percebem que o que aconteceu ontem é para sempre, é eterno. É como o Brasil x Itália de 1982, uma chaga aberta no peito que nem o tempo, nem as vitórias, nem os troféus jamais poderão apagar. Em 5 de maio de 2010, o Flamengo impediu, em pleno Pacaembu, e no ano do centenário do Curíntia, a realização do maior sonho dos cem anos de existência infeliz dessa raça. Para eles, é uma ferida pior, muito pior, do que a tarde em que Ademir da Guia e Dudu decretaram os 20 anos de fila para o alvinegrinho do Parque São Jorge.

Diante disso, nada mais tem importância. O Curíntia pode encomendar quantas pesquisas quiser demonstrando empate técnico (empate técnico de 5 milhões) entre as duas torcidas; pode ser penta, hexa, decacampeão brasileiro com os juízes comprados que lhe garantiram seus títulos passados; pode incensar como se semi-deuses fossem os perebas que lá no Parque São Jorge gozam de status de craques (essa sucessão de Biro-Biros e Vladimires e Netos que são, hoje e sempre, a cara do Curíntia); pode comprar pelos proverbiais trinta dinheiros quantos Ronaldos houver, gordos e decadentes e com gostos reprováveis.

Pode fazer tudo isso que, de hoje em diante, pelos séculos dos séculos, sempre que um corintiano vier cantar de galo para o meu lado, eu lembrarei que, na noite de 5 de maio de 2010, no ano do centenário do Curíntia, o Flamengo mandou os delírios de grandeza corintianos para a casa do caralho.

E isso, amigos, não se esquece nem se vinga jamais.

26 de abr. de 2010

RECORDAÇÕES DE OUTRO FLAMENGO x CURÍNTIA

O ano era 1991, e o abominável Sport Club Curíntia Paulista iniciava sua epopéia de não conquistar a Libertadores da América. Houve outra tentativa antes, suponho, em 1977, em razão do vice-campeonato brasileiro de 1976, mas foi a partir de 1991 que a presença do Curíntia no torneio continental se tornou mais freqüente e, por conseguinte, mais gratificante. A partir de 1991, a incolor agremiação interiorana se fodeu de preto e branco em 1995, 1996, 1999, 2000, 2003 e 2006.

E se fodeu em 1991.

Como mandava o regulamento dos bons tempos, os dois (e não mais que dois) representantes brasileiros, Flamengo e Curíntia, caíram no mesmo grupo 3, junto com os uruguaios Nacional e Bella Vista.

O detestável Curíntia vinha de ganhar o campeonato brasileiro em 1990, numa campanha em que seus principais jogadores foram o gordo escroto Neto e o juiz escalado para beneficiá-lo a cada rodada. (Em 4 de outubro de 1990, um juizinho de nome Edson garfou escandalosamente o Flamengo, em pleno Maracanã, num jogo que os do arraial venceram por 2 x 1; nas semi-finais, contra o Bahia, um tal Joaquim foi ainda mais desavergonhado, chegando a apitar lateral quando um atacante tricolor avançava livre pela ponta direita, com a bola uns dois metros para aquém da risca lateral.)

Pois Flamengo e Curíntia voltavam a duelar pela Libertadores da América de 1991. Estreamos com um empate meio chocho, 1 x 1, contra os arraialinos, numa partida disputada em Cuiabá por conta das reformas no Maracanã. Daí em diante o Flamengo empatou com o Bella Vista, em Montevidéu (2 x 2), e ganhou do ainda respeitável Nacional em pleno Centenário (1 x 0). O Curíntia conseguiu dois empatezinhos sem-vergonha contra os mesmos adversários, ambos por 1 x 1, ambos fora de casa.

A 20 de março de 1991, o Mais Querido do Brasil ia ao arraial de São Paulo de Piratininga enfrentar o mais querido da província, no Pacaembu. Do nosso lado estreava o goleiro Gilmar Rinaldi, que formava a defesa com Aílton, Adílson, o becão Rogério (hoje nosso técnico) e Piá; um meio-campo respeitabilíssimo com Charles Guerreiro, o Maestro Júnior e a dupla Marquinhos e Marcelinho; no ataque, Alcindo fazia dupla com o artilheiro Gaúcho, mas houve espaço para que jogassem, no segundo tempo, as jovens promessas Paulo Nunes e Nélio, o mais rubro-negro de todos os atletas rubro-negros.

O Curíntia vinha com a escalação habitual de Ronaldos, Marcelos, Tupãs, Netos e merdas quejandas.

O jogo nem era, em si, tão decisivo, eis que tanto Flamengo como Curíntia voltariam a enfrentar os uruguaios em casa, num torneio em que se classificavam os três primeiros. Mas a neurótica torcida corintiana estava de mau humor e pronunciava ultimatos contra o time: contra o Flamengo, não se admitia outro resultado que não a vitória. O clima no acanhado Pacaembu era tenso, de decisão.

Mas o Flamengo, onde começava a estruturar-se o time pentacampeão de 1992, não tomou conhecimento das neuroses corintianas, e soube, com muita tranqüilidade, transformar em gols (Rogério e Gaúcho) a sua flagrante superioridade sobre a overrated mulambada corintiana. Feito o segundo gol, a mediana torcida do Curíntia perdeu a paciência e fez o que se espera dela: barraco. Começaram a chover garrafas em campo, numa época em que já não se vendia bebida em garrafa em estádio, e logo vieram as ameaças de invasão. O apitador apitou o fim do jogo e deu por vencedor o Flamengo, que voltou para o Rio com os dois pontos.

(Coisa muito parecida com o que se veria, em 2006, quando o River Plate não tomou conhecimento de Tévez & cia. e soube impor-se à paulistada asquerosa em pleno Pacaembu.)

Ambos os times prosseguiram na Copa. O Flamengo bateu o inofensivo Deportivo Táchira nas oitavas (3 x 2 na Venezuela, 5 x 0 no Maraca) e depois acabou eliminado pelo Boca Juniors nas quartas (2 x 1 para nós no Maraca, 3 x 0 para eles na Bombonera, com participação especial do juiz uruguaio Ernesto Filippi). O mesmo Boca eliminara o Curíntia nas oitavas, 3 x 1 em Buenos Aires, 1 x 1 no arraial.

Na quarta-feira Flamengo e Curíntia voltam a encontrar-se, pela primeira vez, pela Libertadores. Hoje quem anda de mau humor com o time somos nós, e com alguma razão. Não pela perda do Torneio Início, sublinhe-se, mas pelo futebol pífio que o time anda apresentando (e, no caso deste cronista, pelas palhaçadas extra-campo protagonizadas por dona Patrícia Amorim, que demitiu Andrade pelas razões erradas e foi de uma burrice atroz no episódio da Taça de Bolinhas).

Apesar de tudo isso, apesar do futebol ruim e da presidenta pior, faço fé na vitória rubro-negra. Acredito que vencemos, porque o elenco precisa dar alguma satisfação à torcida, depois dos tropeços recentes. Desambientado sempre que jogou no estrangeiro, este ano, o Flamengo tem no Curíntia -- freguês doméstico e velho conhecido -- um adversário ideal para demonstrar que não esqueceu o futebol que vinha jogando, desde a arrancada ao Hexa até mais ou menos o Fla-Flu do carioquinha.

E eu cá suspeito que, no Curíntia, a tranqüilidade de quem fez a melhor campanha é apenas aparente. Não ter a Libertadores, para essa corja, é uma capitis diminutio maxima, diante das glórias já alcançadas pelo Santos, o São Paulo e o Palmeiras (e pelo Flamengo, que é tudo o que eles querem ser quando crescerem).

No Maraca lotado, cada corintiano há de se lembrar dessa sua carência. E perceberão que ganhar a Libertadores não é tarefa simples. Não é para qualquer Curíntia.

Vai pra cima deles, Mengo.